stereoloser

7.6.05

Final Straw



Coçavam-me os pés e com as mãos retirava finas camadas de pele que, amontoadas no chão, pareciam sobras de borracha. Levantei a cabeça e deparei-me com olhos cor d'água. Ingagou-me sobre a ferida no joelho e estranhei que a farinha debaixo de mim não tivesse chamado mais a atenção do que aquela í­nfima casquinha.

- Não compreendo o espanto. Apenas um amontoado de plasma, plaquetas, hemácias e etc. Secos.

Disse-me que entendia, mas nunca tinha visto uma daquele jeito. Tinha à minha frente uma estudiosa de formatos de coágulos de joelho, ora essa. Voltei-me aos pensamentos originais e também a coçar o pé esquerdo. Não entendo por que a maioria dos livros credo/religiosos utilizam uma linguagem tão rebuscada. Bíblia e Alcorão talvez justifiquem-se no tempo mas tantas traduções e renovações de linguagem já foram feitas e preveni-vos, alertai-vos, ó Deus, não atraiçoeis, perfí­dia, malversá-las-ão são tão constantes que me falta saco, sim, saco mesmo, de continuar a leitura. E Kardec, qual a desculpa? Xavier não sei, pois nunca o li. Agora coço os dois pés ao mesmo tempo. Minha única conclusão é que tal literatura, de maneira velada, segue os princí­pios da Santa Madre medieval, que proibia determinadas leituras. Ninguém proí­be efetivamente, mas quem as lê? Quem ultrapassa uma página sem usar o dicionário pouco compreende, consequentemente, não pensa a respeito. Mais cômodo crer sem questionar? Talvez seja essa a vantagem de ser prolixo. Maldito pé direito. A perita em feridas continuava a fitar-me.

- Pode continuar estudando-a em um café. O que acha?

Olhos.

- Um expresso e um cappuccino.

Cor de água.

- Alguma vez já tentou ler a Bí­blia ou o Alcorão?
- Pode levantar a calça até a altura do joelho, por favor?

Cada um absorto em seus próprios interesses e meus pés pararam de coçar.

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Daqui pra baixo não tem nada a ver com aquilo ali em cima.

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- De vez em quando você posta uns textos no seu blog, não?
- Unhum.
- Que estranho!
- Não acho. Gosto de escrever.
- Ah! Mas são textos seus?
- Sim. A maioria.
- Ah, tá!

Clássico exemplo de como ser educado ao dizer "que coisa ruim".
Sou teimoso, pretencioso e birrento. Vou continuar.

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Daqui pra cima não tem nada a ver com nada.
Ouvindo: Somewhere A Clock Is Ticking | Snow Patrol